Relatos escrotos de uma bela vida - 1

Querido diário,

Hoje o dia foi bem legal. Acordei as cinco da manhã para ir trabalhar - depois de ter chegado as 00:00 de ontem em casa e descobrir que comeram o último miojo que escondi no portinha das panelas - e me dei conta do caos que Salvador se encontra pros lados do aeroporto por causa das obras. Só para resumir, tenho de estar as 8:45 na Barra - que é longe pacarai - e pego um trânsito fêla da mãe só para fazer o sentido Aeroporto/São Cristóvão - que é praticamente colado - , mas enfim, consigo chegar ao meu trajeto as 8:30.

Depois de passar momentos maravilhosos no trampo, a volta para casa era o meu abrir das travas - dentes, se preferir -. A Barra tranquila, os pássaros voam.. as pessoas surfam e correm na orla, os cachorros cagam no passeio.... Tudo na mais tranquila paz de meu Deus.

Passo pelo Rio Vermelho, Pituba, Itapuã... Salvador é uma delícia. E quando me aproximo do lugar onde me escondo- quer dizer, do lugar onde moro - vejo que existe o inferno na terra. Demorei exatas duas horas e quarenta e cinco minutos para fazer um trajeto que em dias usuais demoro dez minutos e trinta segundos. Era somente mudar para a pista de sentido para a Paralela.

Depois de perceber o caos que se instalou lá fora, só consegui rir da minha própria desgraça. Indivíduos revoltados descem dos ônibus e dizem que vão andando - no way! - . Depois de uma hora de reflexão exaustiva, eis meu desfecho:

Após dormir umas cinco vezes, babar umas dez, a pilha do mp4 acabar, o jornal ser lido 3 vezes o celular descarregar, ver a raiva, fúria e inquietude dos passageiros ao meu lado, pude ter um momento sereno em minha vida e pensar; " De que vale essa raiva toda? Pra que merda vou reclamar? Se posso ver a miséria dos outros e rir, se posso olhar as caras de tristeza dos almofadinhas presos em seus carros importados - mas é claro que o ar condicionado faz diferença- se posso ver as pessoas em grandes passeatas de raiva e frustração. SE POSSO VER, Ò GRANDE DEUS, a minha vizinha que não abria a boca desde 1999, rebelar-se contando ao cobrador do ônibus seu todo seu rancor. E enfim, minha bunda está grudada nessa cadeira de ônibus mesmo, só o que me resta é esperar.. e esperar. "

Combati a raiva do meu coração vendo a miséria alheia, e em breve, irei dar meu testemunho nos pontos de ônibus, praças e adjacências.

Me aguardem.